sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Eloísa e Alberto

Conhecer Alberto foi uma fatalidade, dessas inevitáveis e que o destino guarda direitinho a hora para acontecer, não há como fugir; Eloísa não teve como fugir.
Poucos anos antes do primeiro encontro a jovem pegou um panfleto na rua, como qualquer panfleto olhou e jogou fora. Nele estava desenhada a banda de Alberto, Eloísa gravou o desenho da banda, decorou seu nome mas nunca ouviu ou procurou saber mais.
Até que aconteceu, era a segunda semana do primeiro ano da faculdade da moça, ela tinha resolvido fazer parte de um projeto de composição. A sala estava cheia, todos os alunos de todos os anos do curso de Eloísa estavam lá, quando então pegou-se olhando para um rosto no canto da sala. Era um jovem qualquer, usava bermuda comum, camisa pólo, sapato comum e vestia o rosto com um óculos de grau comum. Mas tinha algo no sorriso, ou eram nos olhos?, Talvez nem fosse nada, o nada mais magnético que Eloísa já tinha visto. Continuou sua vida, nem pensava naquela face, apesar de volta e meia passar por ela e admira-la por alguns segundos até tudo voltar ao normal. Foi numa quarta-feira de noite a primeira troca de palavras.
Um conhecido de Eloísa chamou-na para apresentar um dos veteranos da jovem, Alberto. A moça estava com tanta pressa que deu um "oi" enquanto andava e fez um breve comentário do tipo: " que legal você ser meu veterano, muito prazer" até perder-se no horizonte. Em outra circunstância também falou rapidamente com o jovem, estavam entrando em um concerto da orquestra. Não sabia o nome do rapaz, só conhecia o rosto. A vida de Eloísa ainda era pacata e sensata, então ela viu o tal rosto magnético sentado em uma escada e começou a conversar com ele. Descobriu que a banda do tal panfleto era de Alberto e pediu para ser avisada quando tivesse alguma apresentação, seria interessante descobrir a sonoridade que aquele desenho tinha.
Neste ponto da história não tinha mais volta. Nada poderia ter acontecido de outra forma.
       - Oi, Eloísa, hoje teremos o show do meu grupo, ali no bar do França.
Ela foi, ouviu e se encantou. Comentou com algumas amigas que tinha levado e flertavam o vocalista do grupo:
        - Eu sei que não faz sentido, mas eu achava o saxofonista muito interessante- disse Eloísa tentando disfarçar o interesse por Alberto e esperando aprovação das amigas.
        - Que nada!, ele é feio, o vocalista que é muito charmoso.
        - É verdade, ele é meu- retrucou a jovem tentando fugir do seu interesse.
Ao final da noite Eloísa e suas amigas foram conversar com os músicos; todas instantaneamente migraram em direção ao vocalista, inclusive ela própria. Não durou muito, quando percebeu Alberto estava perto e os dois já tinham isolado a sua conversa do resto. Falaram sobre tudo, entenderam-se tão bem que assim que ambos chegaram em casa continuaram a prosa pelo computador. Continuara-na todos os dias.
Eloísa estava passando todos os finais de semana no tal bar do França, Alberto liberava a sua entrada, se necessário até pagava sua gasolina. Ela entendia tanto a poesia da vida, pouquíssimo da vida de verdade, mas o rapaz poetizava com ela até esta barreira cair. Eram vistos por todos como um casal, eles eram realmente um, mas nunca nenhum toque além de abraço foi dado. Ambos tentavam fugir um do outro, Eloísa com mais êxito, ela gostava do espaço que Alberto lhe dava, talvez por isso se deixou envolver em demasia. Tudo fazia sentido e tudo era possível, todas as coisas que ela temia eram amenizadas e todas as coisas que ele pensava eram embelezadas. Formavam uma dupla tão boa que até a namorada de Alberto acabou descobrindo. "A confiança é como um espelho".
As coisas ficaram silenciosas por um mês, Eloísa ficou aflita por um mês; Alberto teve de resolver as coisas com a sua primeira dama que morava em outro estado. Quando voltou tudo estava em cacos, não havia mais cola. Alberto e Eloísa eram quase um casal perfeito, mas Alberto desfez.

Cupcake

Eu estava ali naquela música que ele fizera para mim. Eu tinha o meu nome de
doce, doce pequeno, com recheio de licor e muito glacê.
Enquanto ele soava as notas eu ia me procurando, tentando montar as partes de
mim que o meu compositor dissera que estaria.
Era para eu pertencer à'quela musica, eu ansiava fazer parte
de algo que saíra daquela mente.
Notinha por notinha contradizia a minha existência, era tão dodecafônico que,
mesmo que meus olhos estivessem ali fitariam para fora.
Parecia gelado, como paredes de gelo bem construídas, ele parecia gelado.
Esculpiu tudo por fazê-lo bem, não por querer que eu fosse parte.
Meu compositor se virou e entregou a partitura de mim, estava se livrando
de qualquer membro e pensamento meu.

Procurei-me até esvair o ultimo segundo, então, por fim, percebi que eu não
estava mais ali já tinha tempo.

O rosto dele atravessou o meu como uma parede,
uma gélida parede bem construída.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Falar com ele,
cantar ao lado dele,
sorrir com as rugas dele.

Falando de amor...

"(...)
Se soubesses como eu gosto 
Do teu cheiro, teu jeito de flor 
Não negavas um beijinho 
A quem anda perdido de amor 
Chora flauta, chora pinho 
Choro eu o teu cantor 
Chora manso, bem baixinho 
Nesse choro falando de amor 
(...)"
Em qual momento do meu querer você perdeu a graça?
Meu grande homem é Dom Casmurro.
Errante que por vezes
fere com olhares.
Como praxe, meu grande homem
tem sua Capitu, de olhos
expressivos e de ressaca.
Não é Capitu dissimulada,
é moça boa no melhor e pior
sentido da palavra.
Ele tem um cheiro salgado,
cheiro dos homens do mar.
A voz é de senhor de boa fé
e fala como escritor.
Não usa chapéu, se cabelo encaracolado
já encapa a cabeça de maneira formidável
Ele é grande em pequeno e esguio frasco,
sintético em todos os planos.
Meu grande homem é de Capitu,
por mais que dirija-se a mim como Assis.

domingo, 26 de agosto de 2012

Quando as palavras somem é um mau sinal.
O pensamento congela em algumas cenas,
o corpo embarga em algumas sensações.
Nenhum calor humano faz voltar.
Todos os cantos das paginas dos livros
ficam escritos quando as palavras somem.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Ela ainda usava aquelas lentes, fundas e de outra pessoa.
Toda vez em que tentava enxergar longe com elas acabava se frustrando.
Doía a cabeça, mas ela achava que ficava tão bem vestindo as tais lentes
que torturava, fazia-se sofrer. Sem elas era impossível imaginar,
via as coisas nuas cruas, era tudo bem mais simples.
Essa tal simplicidade até lhe seduziu em alguns momentos, todavia não
era o seu par ideal, era prático, não ideal.
As formas faziam sentido ao seu toque, não descobria nada novo, nada
surpreendia o seu olhar; diferente de quando sua cabeça latejava.
Usava as lentes para criar o seu mundo e animar-se com ele, por mais
que não fosse sua dona. O efeito colateral era menos
pesado que o choque da realidade em suas pupilas.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Ali, nas sombras, escondido e faminto.
Bem quietinho, cheio de silêncio e intenções,
observando, lambendo o bico feito um abutre.
Apenas espera alguém abater o alvo,
deixar seus ossos, pelos e sangue velho.
Alguém fará o estrago, alguém 
derrubará e destruirá o cervo.
Fica voando sobre a carniça, esperando e
sentindo o cheiro da janta.
Não precisa do filé inteiro, das coxas,
nem do peito e barriga.
Dê-lhe seu pé e a cabeça, e será feito um 
belo ensopado dos restos.
O melhor tempero é ser um parasita.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

A vida de Joana era resumida em acordes; acordes aumentados e diminutos, acordes das 7 horas e para a vida.

domingo, 12 de agosto de 2012

"Dizem que é um coração partido, mas o corpo inteiro dói."

Toledo, Laura Maria.

A vida o agarrou bem forte, tão forte
que lhe fez sofrer de verdade, sentir na carne os arranhões.
Ele abandonou suas palavras, deixou de publicar como se
sentia, não precisava mais pois tinha para quem e por quem contar.
Não existia mais rima, e em seu blog as poesias antigas ecoavam,
pediam companhia e leitores.
Todas as ideias clamavam o nome dele, mas principalmente a sua
mais assídua leitora. Leitora esta que lia seus poemas e prosas como
um periódico, um jornal, uma novela. Lia por gosto,
para desvendar o rapaz e a sua vida. Não era xereta, só
sofria de um mal chamado ''paixão''. Ele era o mundo desta solitária,
o mundo que se desfazia toda vez em que a poesia perdia
para a vida.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Eu canto; nasci cantando.
Aprendi a chorar e amar cantando.
Eu canto por gostar das palavras,
por gostar da música e por gostar
da minha voz.
Encho a boca e sou feliz ao expelir
todas as melodias que guardei,
todas as poesias que deliciaram
a minha língua e dentes.
Meu canto é oração, lamento,
exaltação e prosa.
Eu canto, é a minha função vital,
pois só sei viver cantando.
Simplifiquei demais as minhas palavras para fugir de você. 
Mal percebi que todas as minhas rimas fracas 
afastaram-me de mim e me aproximaram
indevidamente de sonhos que não são meus. 
Flerto com o samba, mas no fundo não deixo 
de ser a velha bossa-nova. 

domingo, 5 de agosto de 2012

Confidência

"Onde será que está
O choro que embarga a voz,
E as lagrimas de marejar os olhos?
Para onde foram
Os sentimentos mais nobres
E as sublimes sensações
Que preenchiam o meu ser?
Quero saber onde está
O amor, a dor,
E tudo o mais que me fazia viver!
Pois hoje não vivo, apenas existo;
E enclausurado no nada, vagueio,
Sem cansaço nem anseio,
Rumo a lugar nenhum!"


Miguel da Silva, Renato Gustavo.
Sufoque enquanto ainda é um sentimento fetal.
Graças a um bom mulato não penso só em ti; penso samba, penso nele e penso em mim.