terça-feira, 7 de julho de 2015

Roda da Fortuna

Onde estão os dias de sol?
Poucos moribundos podem dizer que já imergiram em escuridão total.
Ó, a doce sorte de enganar-se e lamentar embebido por feixes de luz.
Penumbra, cinzas, formas disformes de existência, por isso eu imploro,
imploro por essa mínima noção de realidade embrionária.
Poucos moribundos sabem do que falo, do que ainda não tenho dito.

Ó Fortuna,
Ó inversa fortuna; foi por acaso ou descaso que para mim as luzes se apagaram?
Fora de mim ou por mim que me fiz rastejar na ausência, no vácuo, no silêncio?
Aqui todo e qualquer grito é engolido antes mesmo de sair.
Meus olhos doloridos, se esforçam para encontrar alguma cor.

Onde estão mesmo os dias de sol?
Poucos moribundos podem dizer que já viram o nada tão de perto.
Ó, doce lembrança da essência de si, minha e nostálgica movimentação
Onde guardei minhas ideias e crenças? Onde guardei a chave de mim?
De fato foram ou apenas as vi como oásis para beber como convicções?
Poucos moribundos não sabem de si, do que um dia foram.

Ó Fortuna,
Ó ausente fortuna; de ti sou órfão ou plenamente responsável de suas razões?
Tranquei meu coração em uma gaiola com vista pra você.
Escondi a chave em vários rostos de traços como os seus,
em vários gênios de mesmo tom, em beijos de mesma cor.
Sabotei todas as rotas de fuga e rejeitei novos caminhos.
Espalhei suas lembrança, pra esbarrar de vez em quando
e lembrar de vez em sempre das frações certas de segundos
em que você tancou-se em uma gaiola com vista para mim.

Perspectiva

Foi nesse dia de céu cinza que uma senhora talvez simpática sentou-se ao lado de Monique. Dona Lucíola, 65 anos vividos. Gostava de conversar com desconhecidos pela rua para ver se algo interessante lhe surgia na vida. Sentou-se ao lado da pensativa Monique e pôs-se a falar:
-Mas que tempo esse, não? Não tem como ser feliz em uma cidade onde nem o Sol aparece.
                Monique estranhou essa reclamação autônoma que interrompeu seus pensamentos, mas, educada, decidiu responder:
-          Mas só por existir dias cinza que sabemos apreciar um dia ensolarado, não acha? - questionou a jovem.
-          Tens razão...
Dona Lucíola calou-se com a lógica irrefutável de Monique. Como pode alguém soltar algo tão pesado e denso em uma situação informal? Lucíola não estava preparada para isso, não estava preparada para pensar por si e para si. Assim como o dia, sua cara escureceu e logo se passaram alguns minutos de silêncio para que Monique percebesse que havia calado alguém sem intenção.
-          E... Será que teremos sol nesse final de semana? – Monique tentou retomar.
-          Talvez, independentemente disso ficarei em casa, como sempre, sozinha, como sempre.
-          Não me parece a melhor opção para um final de semana.
-          Consideramos “opção” quando não há nenhuma outra perspectiva?, menina...
-          Monique, senhora, Monique.
-          Isso, menina Monique?
Desta vez, então, quem calou foi Monique. De fato nunca havia ponderado tal questão. Para ela toda e qualquer coisa possuía milhares de tangentes lógicas, como então não haver opção? Pôs-se, assim, a pensar como seria a vida onde a realidade seguisse por uma linha reta, uma única linha. Dessa forma, qualquer pedra poderia estacionar o tempo, cobrir todo o caminho pela frente. “Se eu fosse essa pessoa a quem a vida segue em uma triste linha reta e, por azar, esbarrasse numa pedra, certamente não veria opções. Mas, um momento... eu teria como retroceder, ou a vida me faria congelar? Não, a pedra só está na frente.”
- Não concorda? – perguntou a Lucíola depois de esperar a resposta de Monique, que aparentemente havia a abandonado para conversar consigo mesma.
- Ah, sim. Não, não, me desculpe, mas tenho que discordar.
- Discordar? – perguntou Lucíola curiosa.
Monique creu que justificar-se com todos os seus argumentos seria a forma errada de expor sua discórdia, o mais esperto seria apresentar-lhe outro ponto de vista para o seu final de semana:
- Sim, discordo já que a senhora e eu tomaremos chá no sábado.
Lucíola rio gentilmente e sorrindo respondeu:

- Mas que jovem abusada. Obrigada.