sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Alma de piano - prévia.

Então caia mais um floco de neve que regava o inverno. O chão estava coberto por inteiro e o conservatório de música fechava para o natal. Any, era assim que todos haviam me apelidado, proveniente de Anya. Eu descia correndo a grande escadaria central de madeira tentava alcançar meu professor de harmonia: Chekhov. Era um homem que se vestia de maneira muito pomposa, sempre com um belo par de sapatos e um relógio de bolso, sua aparência séria era resultado de uma alma fechada e erudita: um homem muito elegante e de tez extremamente clara. Bom, digamos que este mesmo senhor não possuía muita simpatia por mim, não devido a minha aparência, mas sim pelo meu perfil muito contestador. Fisicamente eu era até simpática; cabelos ruivos e ondulados, mantidos sempre curtos, algo extremamente ousado tendo em vista que todas as outras mulheres possuíam cabelos que lhe vestiam os ombros; minha cor era clara e avermelhada devido ao frio intenso; olhos cor de mel que brilhavam o tempo todo.

-Mestre! – exclamei ao chegar ao final de um lance de escadas. O senhor Chekhov apenas virou os olhos com um leve movimento, como se não lhe interessasse saber quem lhe chamava.

-Céus, o que foi desta vez senhorita Sierakowski? – disse ainda virado para frente.

-Eis aqui minha composição... Aquela que havia perdido em meu caderno durante a aula.

-O prazo para me entregar era até o termino da mesma, sabes disso, por que abriria uma exceção a esta regra ainda mais para a senhorita?

-Pois o senhor sabe que sou uma aluna extremamente dedicada em aprender canto e eu adoraria ter um histórico acadêmico impecável!- falei ao esboçar um sorriso de sarcasmo em meu rosto.

-Sei muito bem... Por isso mesmo dar-te-ei uma chance de desfrutar de seu anseio não almejado. - exclamou a virar-se totalmente e descer as escadas enquanto ria quietamente.

Não conhecia muitas pessoas ainda no conservatório, mesmo estando lá a cerca de dois anos. A maioria eram rapazes, nada mais natural, só conversava com minha irmã durante o ano letivo, minha mãe não autorizava amizades masculinas. Seu nome era Lubmilla, cursava piano: ela tinha o cabelo castanho que descia aos seios e chegavam-lhe a cintura, pele um pouco mais amorenada que a minha, olhos escuros e amendoados. Seu maior sonho era tornar-se uma bailarina, porém havia idealizado muito tarde. Lubmilla era mais fácil de lidar do que eu, porém era um tanto mimada por ser a filha mais nova. Ela era a mais bela, a mais querida entre a maioria das pessoas, respeitava as vontades de meus pais, no entanto, quando soube que eu havia conseguido convencer nossa família ao autorizar a minha entrada no conservatório de música, fez o mesmo iniciou um ano depois. Lubmilla era um bom partido.

-Lubmilla!-gritei ainda da escadaria para minha irmã que passava perto.

-Any, o que queres?

-Minha irmã, já arrumou suas coisas?

-Ainda não, mas estava indo fazer isso nesse instante.

-Sabes que o conservatório vai fechar ao final do dia, e agora já passa das três horas.

-Sim, mas mudando o foco da conversa, conseguiu entregar sua composição a Chekhov?

-Aquele senhor é um crápula, deu-me uma resposta desaforada e saiu andando.

-Achas que não alcança um bom resultado?

-Não sei, tudo depende do humor de Chekhov. Pois, vamos agora, Dominique estará nos esperando em casa!

Lá estávamos nós, duas irmãs muito diferentes descendo as escadarias grandiosas do conservatório enquanto puxávamos, empurrávamos e carregávamos nossas pequeninas malas. Todos estavam se despedindo entre os corredores, a maioria das tochas que iluminavam o ambiente já estavam sendo apagadas pelos funcionários do local: era a maneira gentil e eficaz de expulsar a todos.

-Ali Lubmilla, chame aquela!- falei ao apontar uma das últimas carruagens que restavam.

-Senhor!- gritou minha irmã ao fazer sinal com a sua mão - Aqui!

-Mas o que duas moças fazem neste conservatório de música recheado de rapazes?- foi a primeira coisa dita pelo chofer.

-Música, senhor! Eu estudo canto e minha irmã piano.

-Nada convencional, minhas damas.

-Por isso que é tão fascinante. – retruquei-lhe ao bater a porta de sua carruagem.

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